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Montenegro - o site oficial do Livro de 2008


Andre Ventura is a new brilliant author Olufemi Amao, writer, poet and researcher
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Luta contra a Sida – Razões de um combate, pelo Dr. André Ventura

Quando concebi e projectei a narrativa de MONTENEGRO, tinha poucas certezas e um amontoado de dúvidas, no referente ao desenvolvimento dramático, trama, personagens e mesmo o desenrolar da narrativa desta obra. Uma preocupação, porém, pairava no meu espírito: levar a cada um dos leitores uma mensagem fortíssima, quase irresistível, de humanidade para com a doença crónica, especialmente para com o HIV; um grito contra a incomensurável estupidez que toma posse do coração dos homens e das mulheres do nosso tempo e gera preconceitos dificilmente removíveis, muitas vezes no período de várias gerações; um canto à vida, mesmo quando marcada por circunstâncias trágicas e dramáticas; uma redescoberta dos desafios essenciais do ser humano.

A luta contra o HIV/SIDA encontra-se, hoje, inegavelmente, num estádio muito mais avançado do que no início dos anos 80, quando um largo manto de ignorância pairava ainda sobre a doença, as suas causas e as suas consequências. Não é, no entanto, a este nível médico – científico que MONTENEGRO pretende actuar. É num outro, onde a técnica encontra barreiras intransponíveis e a ciência dificilmente consegue penetrar: a mentalidade e o espírito dos homens.

De entre todas as dificuldades que os portadores de HIV/SIDA têm de enfrentar nas diversas fases da doença, o brutal impacto psicológico assume-se como um factor que, mais e mais, preocupa os especialistas e as autoridades da saúde. No âmbito deste impacto encontramos muitos e diversos pontos de relevo e variantes consideráveis de indivíduo para indivíduo, mas o sofrimento psicológico causado primariamente por uma atitude de repulsa e de discriminação por parte da sociedade será certamente um fenómeno constante entre os doentes seropositivos.

Discriminação e repulsa que não são apenas notórios a um nível macro, isto é, a um nível institucional, formal ou legal. Não, é no quotidiano da vida, no desenrolar comum da actividade diária que aquelas se fazem sentir em toda a sua brutalidade e arrogância, ao desconsiderar e marginalizar permanentemente grupos de pessoas em função da sua presença “diferente” no seio da comunidade. Algumas vezes, fruto de uma arrogância social e económica impossível de ignorar; outras, apenas de um espesso manto de ignorância que ainda permanece fortificado na sociedade moderna, em Portugal e por esse mundo fora.

E quantas vidas perdemos e vamos perder no futuro, quantos feitos vão ficar por alcançar, simplesmente porque continuamos a não acreditar no ser humano enquanto todo, enquanto actor global e ser complexo, capaz de se adaptar e vencer nas mais cruéis e hostis circunstâncias.

Porque continuamos a considerar os doentes crónicos (e muito especialmente os doentes seropositivos) um grupo de pessoas cuja finalidade é apenas e somente uma: desaparecer a curto ou médio prazo. Um fardo, um pesado fardo que temos de suportar e que desejaríamos nunca ter de o fazer.

MONTENEGRO expressa precisamente esse choque dramático e brutal na vida de um jovem amado e admirado por todos, de um jovem cuja vida se limitava extraordinariamente às conquistas superficiais. E, ao mesmo tempo, descobre como o espectro atemorizador e aterrorizador da doença pode, paradoxalmente, abrir um autêntico arco – íris na vida de cada um de nós, levar-nos a reencontrar ou mesmo a definir o seu significado pleno.

Sim, porque a vida continua a valer a pena e pode mesmo ser redescoberta durante o mergulho sempre difícil e traumático no mundo da doença.

Acredito profundamente – e a história tem-nos dado imensos casos felizes e exemplares disto mesmo – que a doença pode representar uma autêntica fonte de purificação e de reordenação das nossas vidas, mesmo as mais terríveis, mesmo aquelas, como o HIV/SIDA, cuja medicina não conseguiu ainda produzir uma cura completa e satisfatória.

Cada homem tem uma missão e nela descobre o significado último da sua vida.

Já conheci muita gente – e tenho a certeza de que conhecerei muitos mais – que apenas quando imersos na doença sem saída reconheceram um significado real à sua vida e perseguiram-no com uma motivação, um empenho e uma dedicação que nunca antes tinham tido na vida. Que só depois compreenderam as razões que tinham procurado toda a vida e os objectivos que nunca tinham chegado a delinear.

Enquanto o mundo romano civilizado desabava e se afundava para sempre às mãos dos povos bárbaros, os discípulos acorriam agitados a um S. Agostinho inerte e doente na sua cama:
- Mestre, Mestre, Roma está a cair…o mundo vai acabar…
- Não, queridos discípulos, é apenas um novo mundo a começar!

Também assim Luís Montenegro. Também assim a mensagem que quis e quero passar a cada um dos leitores. Porque este combate vale a pena, na medida em que afecta os alicerces básicos da sociedade em que vivemos e dele depende a qualidade de vida e a felicidade de milhões de seres humanos à volta do globo.

Por isso, esta associação da Liga Portuguesa Contra a Sida, mais do que um apoio, é uma honra e uma alegria para mim, enquanto autor. Uma oportunidade única de cumprir os meus deveres para com a sociedade e para com o mundo que me envolve. Uma outra gota de água que sirva para refrescar as mentes de todos nós, porque é cá dentro, sempre cá dentro, que os grandes combates se fazem.







André Ventura
Dublin, 12 de Março de 2008